Jardim do Céu, romance juvenil, trecho
A livraria Miscelânea não era propriamente uma mega loja, destas modernas que vendem de tudo: CDs, DVDs, revistas, jornais e uma infinidade de objetos e quinquilharias, era um lugar que vendia tão somente livros. O salão tinha prateleiras de madeira escura, o que lhe dava um ar de seriedade e tradição. Apesar de não ser um lugar da moda, reunia um grande número de pessoas em ocasiões especiais como aquela — o lançamento de um livro.
A livraria Miscelânea não era propriamente uma mega loja, destas modernas que vendem de tudo: CDs, DVDs, revistas, jornais e uma infinidade de objetos e quinquilharias, era um lugar que vendia tão somente livros. O salão tinha prateleiras de madeira escura, o que lhe dava um ar de seriedade e tradição. Apesar de não ser um lugar da moda, reunia um grande número de pessoas em ocasiões especiais como aquela — o lançamento de um livro.
Loucos ou Felizes?, romance juvenil, trecho
Chico Maluco ignorava todos que passavam na rua, ainda mais naquele horário, tarde da noite. Em seu mundo de ilusão estava acostumado a ver pessoas voando através de nuvens de fumaça, seres rastejantes que ganhavam asas e mergulhavam em mares inexistentes — devaneios que somente na sua lógica insondável ganhavam explicação. Ele não gostava de falar com ninguém, mas sorria para todos que invadissem seu pequeno reino fictício debaixo das marquises dos edifícios do centro da cidade.
Visita de Primo, romance juvenil - trecho
Quando o relógio despertador soou o alarme, às seis horas da manhã, o primeiro pensamento de Caco foi se deveriam proibir segundas-feiras. Com o frio que fazia, poderiam decretar feriado, assim curtiria o calor das cobertas por mais tempo. Se não fosse o cheiro de café que vinha da cozinha, o maravilhoso pãozinho aquecido na frigideira, a tigela de frutas com cereais, e a tal lei sobre inícios de semana vigoraria por votação unânime. Sabia do apoio de muitos, como os seus colegas da escola, por exemplo.
Riscos no Muro, romance juvenil, trechoJá passava das dez horas da noite quando os Scratch se reuniram na praça central do bairro. Rubão fizera 14 anos naquela semana, ganhara de seus colegas uma caixa com seis latas de tinta spray, uma de cada cor, embora sua preferência fosse o preto. Aos poucos, chegaram Fiapo e Pendura, traziam Manjuba, um menino franzino com óculos de grossas lentes que deixavam seus olhos enormes. Ele havia se mudado para o bairro há poucos meses. Os outros, Clim e Pitaco, já os esperavam, tempo tinham de sobra por não fazerem nada o dia inteiro.
Porto dos Escravos, romance juvenil, trecho
Guerreiros Tupiniquins escondidos na mata espreitam os Tupinambás que se banham alegres e descontraídos no rio. Chefe Tibiriçá indica as posições que seu grupo deve tomar para o ataque. Aos pares, eles se colocam a postos. Arcos são preparados, lanças posicionadas. Ao seu sinal, uma chuva de flechas cai sobre os inimigos desprevenidos. Aos gritos, o grupo tupiniquim se atira contra os Tupinambás empunhando bordunas, machados de pedra e lanças. Pegos de surpresa e sem oferecer resistência, os Tupinambás caem diante dos agressores, manchando as águas com o vermelho de seu sangue. Tibiriçá grita orgulhoso, pisa a cabeça do inimigo a se debater e, impiedoso, o traspassa com a sua lança.
O Segredo da Volatilidade, romance juvenil, trecho
A sala central do laboratório de pesquisas se encheu de uma névoa esbranquiçada. Os riscos esverdeados dos sensores de segurança cintilaram como lâminas incandescentes, revelando os trajetos possíveis até o terminal de dados do computador central. Cortavam em diagonais de ângulos irregulares, incidindo sobre o piso de forma que uma pessoa não conseguisse alcançar o painel de controle com os pés no chão. Era um sistema de segurança engenhoso, tudo ligado por alarmes à sala de vigilância. O guarda, desacordado, não viu uma das telas do seu monitor tingir-se de negro, à medida que um spray era espirrado contra a lente da câmera do circuito interno. Por melhor que fosse, o sistema não poderia prever que o invasor – um sujeito rotundo, enfiado num traje de mergulho preto com galochas ao invés de pés de pato – este improvável mergulhador pudesse ficar sem nenhum dos pés no chão. Este, que atende pelo nome de Ícaro, deu o primeiro passo rumo ao interior do emaranhado de linhas verdes, premido pelo tempo. Tinha de ser rápido por diversas razões; qualquer uma delas seria suficiente para pôr tudo a perder. O segundo passo preparou o movimento seguinte, algo incabível.
O Colecionador de Histórias - Caderno de Pintura, romance juvenil, trecho
Não é que Fred odiasse pessoas, apenas não gostava delas espiando tudo em sua casa. Também é certo, aquela não era apenas uma enorme casa, era um museu, cheio de pinturas, gravuras, fotografias, esculturas, livros, móveis e objetos de várias épocas, tudo exposto para saciar a curiosidade dos visitantes. O que Fred odiava eram os visitantes. Naquela vastidão de cômodos e alas temáticas, Fred reconhecia como seu somente o território do seu quarto, com o estritamente necessário: cama, armário, escrivaninha e cadeira. Não havia pôsteres nas paredes, tampouco flâmulas de clubes ou decalques no vidro da janela, como se poderia esperar do quarto de alguém na sua idade. Neste ambiente despido de coisas reinava apenas o computador — nele, Fred expandia seu território digitalmente, pelo menos até que o interrompessem.
Violência Interativa, romance adulto, trecho
Crianças fazem muito barulho quando estão juntas, talvez por isso, Júlia e Camila permanecessem a maior parte do tempo longe uma da outra. Incomodavam menos seus pais, que estavam sempre em casa, trabalhando. Ares de preocupação e impaciência estampados em fisionomias sérias, com ou sem trabalho em andamento - legítimos representantes de uma geração emergente, a dos profissionais independentes. As residências se tornaram ambientes profissionais, em lugares assim, crianças perturbam demais a concentração.
Naquela tarde, tudo estava silencioso como de costume. Júlia recebia recomendações de sua mãe, guardar todos os brinquedos, desligar os aparelhos se não estiverem em uso, quando o alarme residencial disparou um ruído baixo e intermitente.
A menina percebeu a mudança no rosto sereno da mãe. A placidez dos traços deu lugar a uma expressão compenetrada.
O Tocaio, romance adulto, trecho
A sala de aula está apinhada de alunos dispersos e inquietos. Uma centena deles, afogados em calor e desleixo oficial. Diante da lousa, o professor fala para poucos, os de sempre, aleatórios, mera condição estatística — a parte pela qual ainda valerá algum esforço. Flávio Moretto pensa neles, enquanto sublinha com giz colorido as sentenças no quadro negro.
A platéia mantém-se alheia.— O subjuntivo exprime um fato possível, hipotético ou duvidoso. Se vocês fossem estudiosos, saberiam que o fossem, nesse caso, é um subjuntivo e, por sua natureza, de uma oração subordinada...O som da sirene interrompe o alarido da classe anunciando debandada geral. Flávio recolhe seus objetos espalhados pela mesa equilibrada sobre um hesitante tablado de madeira. A correria dos alunos provoca ondas perigosas sobre a plataforma instável. Desolado, ele observa a manada trotando rumo ao portão principal.
Crianças fazem muito barulho quando estão juntas, talvez por isso, Júlia e Camila permanecessem a maior parte do tempo longe uma da outra. Incomodavam menos seus pais, que estavam sempre em casa, trabalhando. Ares de preocupação e impaciência estampados em fisionomias sérias, com ou sem trabalho em andamento - legítimos representantes de uma geração emergente, a dos profissionais independentes. As residências se tornaram ambientes profissionais, em lugares assim, crianças perturbam demais a concentração.
Naquela tarde, tudo estava silencioso como de costume. Júlia recebia recomendações de sua mãe, guardar todos os brinquedos, desligar os aparelhos se não estiverem em uso, quando o alarme residencial disparou um ruído baixo e intermitente.
A menina percebeu a mudança no rosto sereno da mãe. A placidez dos traços deu lugar a uma expressão compenetrada.
O Tocaio, romance adulto, trecho
A sala de aula está apinhada de alunos dispersos e inquietos. Uma centena deles, afogados em calor e desleixo oficial. Diante da lousa, o professor fala para poucos, os de sempre, aleatórios, mera condição estatística — a parte pela qual ainda valerá algum esforço. Flávio Moretto pensa neles, enquanto sublinha com giz colorido as sentenças no quadro negro.
A platéia mantém-se alheia.— O subjuntivo exprime um fato possível, hipotético ou duvidoso. Se vocês fossem estudiosos, saberiam que o fossem, nesse caso, é um subjuntivo e, por sua natureza, de uma oração subordinada...O som da sirene interrompe o alarido da classe anunciando debandada geral. Flávio recolhe seus objetos espalhados pela mesa equilibrada sobre um hesitante tablado de madeira. A correria dos alunos provoca ondas perigosas sobre a plataforma instável. Desolado, ele observa a manada trotando rumo ao portão principal.
O Silêncio dos Afinadores, romance adulto, trecho
Esta parte da história eu soube pelos próprios protagonistas. Sempre achei a solidão a melhor das companhias, que família servia apenas para repartir heranças e prejuízos. Talvez, por isso, a tenha deixado bem longe, na conturbada e bela Itália, cujos vinhos e queijos me fazem mais falta do que as notícias de casamentos de irmãos e primos, nascimentos de sobrinhos, falecimentos de tios e padrinhos. Só agora eu sei, laços familiares são como tiras de couro, o tempo se encarrega de enfraquecê-los, até se romperem, muita chuva e sol serão necessários. Daqueles de quem contarei as mazelas, me encarrego eu, pois daqueles que na Itália deixei, se encarregaram a guerra e o fanatismo. Mas esta é uma outra história e não convém nos dispersar.
De quem me refiro, os Canhedos, vieram do interior de Minas Gerais, no rabo de uma caravana com destino a São Paulo. Na época, os idos de 1929, o casal Amadeu e Maria trazia Frederico, com seus quatro anos vividos entre magros bichos da fazenda e roçados estéreis. O primogênito mal pôde ver as montanhas verdejantes de sua terra natal, pois assim que o menino firmou os pés no chão, os fizeram pôr na estrada. Os Canhedos se bandearam para um futuro mais promissor daquele oferecido pelo pequeno vilarejo de Itabira do Mato Dentro, cuja riqueza em minérios contrastava com a pobreza da terra.
De quem me refiro, os Canhedos, vieram do interior de Minas Gerais, no rabo de uma caravana com destino a São Paulo. Na época, os idos de 1929, o casal Amadeu e Maria trazia Frederico, com seus quatro anos vividos entre magros bichos da fazenda e roçados estéreis. O primogênito mal pôde ver as montanhas verdejantes de sua terra natal, pois assim que o menino firmou os pés no chão, os fizeram pôr na estrada. Os Canhedos se bandearam para um futuro mais promissor daquele oferecido pelo pequeno vilarejo de Itabira do Mato Dentro, cuja riqueza em minérios contrastava com a pobreza da terra.
Meio Circulante, romance adulto, trecho
O jornaleiro me tirou de dentro da gaveta com um cartão telefônico, fui direto para as mãos de uma moça.
— Não tenho muitas notas de dez — ele disse—, troco anda difícil.
Tampouco havia muitas notas como eu naquela carteira, duas ou três cédulas sujas, amassadas, de menor valor a me fazerem companhia, sem contar os cartões e um retrato.
Diléia era o nome da moça, a ouvi conversando com alguém.
— Se o desgraçado não me atender desta vez, vou subir naquele prédio de qualquer jeito.
Diléia teclou uma seqüência de números no telefone público. Depois da chamada perguntou à telefonista por um certo Pirilo, chefe de expedição. Diléia aguardou em silêncio, senti a tensão, o ritmo cardíaco, a respiração acelerada.
O alguém ao seu lado se mantinha calado, um silêncio de contrariedade por estar envolvido no que não lhe dizia respeito.
— Eu conheço bem você, mana, é bom mesmo não dar um pio, não estou nada boa hoje.
— Não tenho muitas notas de dez — ele disse—, troco anda difícil.
Tampouco havia muitas notas como eu naquela carteira, duas ou três cédulas sujas, amassadas, de menor valor a me fazerem companhia, sem contar os cartões e um retrato.
Diléia era o nome da moça, a ouvi conversando com alguém.
— Se o desgraçado não me atender desta vez, vou subir naquele prédio de qualquer jeito.
Diléia teclou uma seqüência de números no telefone público. Depois da chamada perguntou à telefonista por um certo Pirilo, chefe de expedição. Diléia aguardou em silêncio, senti a tensão, o ritmo cardíaco, a respiração acelerada.
O alguém ao seu lado se mantinha calado, um silêncio de contrariedade por estar envolvido no que não lhe dizia respeito.
— Eu conheço bem você, mana, é bom mesmo não dar um pio, não estou nada boa hoje.